O julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Supremo Tribunal Federal (STF), acusado de participação em tentativa de golpe de Estado, ocorre em meio ao agravamento da crise diplomática entre Brasil e Estados Unidos.
Previsto para começar na terça-feira (2/9), o processo é de natureza doméstica, mas ganhou dimensão internacional com as declarações e medidas do presidente americano Donald Trump. Além do apoio público a Bolsonaro, Washington adotou tarifas contra produtos brasileiros e sanções a ministros do STF, ampliando a tensão entre os dois países.
Analistas ouvidos pela BBC News Brasil avaliam que uma eventual condenação de Bolsonaro pode aprofundar o desgaste nas relações bilaterais e abrir espaço para novas retaliações por parte da Casa Branca.
Além de Bolsonaro, outros sete ex-integrantes do governo respondem ao processo, considerados parte do “núcleo crucial” da suposta organização criminosa. Entre eles, três generais: Augusto Heleno (ex-GSI), Paulo Sérgio Nogueira (ex-Defesa) e Braga Netto (ex-Casa Civil), além do ex-comandante da Marinha, Almir Garnier Santos.
Também figuram como réus Alexandre Ramagem (ex-Abin), Anderson Torres (ex-Justiça), Mauro Cid (ex-ajudante de ordens, delator) e outros aliados próximos. Todos negam as acusações.
Antes mesmo de Bolsonaro se tornar réu, o deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) buscou apoio nos Estados Unidos. Ele viajou ao país, participou de eventos ligados a Trump e relatou encontros com autoridades americanas em defesa do pai.
O apoio mais explícito começou a vir em abril, quando Jason Miller, conselheiro de Trump, chamou Alexandre de Moraes de “ameaça à democracia”. Em maio, o senador Marco Rubio cogitou sanções contra o ministro com base na Lei Magnitsky. Pouco depois, Trump classificou o julgamento como “caça às bruxas” e anunciou tarifas de 50% sobre produtos brasileiros — a mais alta aplicada a qualquer país.
Em julho, Washington revogou o visto de Moraes e de seus familiares, ampliando as sanções. O Escritório do Representante Comercial dos EUA também abriu investigação contra o Brasil por supostas práticas que prejudicariam empresas americanas no setor digital e de meios de pagamento.
Especialistas ressaltam que Trump e Bolsonaro compartilham trajetórias semelhantes: ambos contestaram derrotas eleitorais, espalharam acusações de fraude e foram associados a invasões de sedes dos Poderes em seus países.
Enquanto Trump voltou à Casa Branca após vencer Kamala Harris em 2024, Bolsonaro foi declarado inelegível pelo TSE em 2023 e agora enfrenta acusações de cinco crimes, incluindo tentativa de golpe de Estado e dano ao patrimônio público durante os ataques de 8 de janeiro de 2023.
Steven Levitsky, professor de Harvard e autor de Como as democracias morrem, avalia que Trump enxerga no brasileiro uma espécie de reflexo de sua própria situação. Para ele, as medidas do governo americano têm caráter “intimidatório e desinformado”, lembrando mais “caprichos pessoais” do que uma política externa estruturada.
Apesar da expectativa dos bolsonaristas de que o apoio americano pudesse favorecer o ex-presidente, analistas apontam que os efeitos têm sido negativos.
Pesquisa Genial/Quaest divulgada em agosto mostra que 52% dos brasileiros acreditam que Bolsonaro participou do plano de golpe, contra 47% em dezembro de 2024. Já 55% consideram justa sua prisão domiciliar.
Para a cientista política Luciana Veiga (Unirio), a divulgação de áudios e mensagens entre Bolsonaro e aliados, tratando das tarifas americanas como moeda de troca por anistia, reforçou a percepção de que o ex-presidente buscava resolver problemas pessoais à custa do país.
A expectativa de especialistas é de que Bolsonaro e aliados sejam condenados. O ponto de dúvida está no placar e no tamanho das penas.
Uma condenação, avalia Silvio Cascione (Eurasia Group), pode desencadear novas sanções americanas contra ministros ou setores do governo brasileiro. Não se descarta, inclusive, elevação das tarifas já aplicadas.
Há ainda a possibilidade de um indulto presidencial em 2026, caso um aliado de Bolsonaro vença as eleições. O tema já é discutido nos bastidores políticos e defendido por figuras próximas ao ex-presidente. Com informações G1 Mundo