O Brasil assistiu estarrecido às imagens de Juliana Garcia, de Natal (RN), sendo violentamente espancada pelo namorado, Igor Cabral, dentro de um elevador. O caso aconteceu no último sábado (26) e foi registrado por uma câmera de segurança. A sequência de 61 socos no rosto e na cabeça da jovem escancarou, mais uma vez, a brutalidade da violência de gênero e a sensação de impunidade que ainda ronda os agressores.
Igor foi preso em flagrante, mas a repercussão do crime reacendeu discussões sobre a escalada da violência contra a mulher no país. Especialistas apontam que o ataque não é um caso isolado, mas parte de uma cultura machista enraizada. “O rosto, os seios, o ventre: esses ataques carregam uma simbologia de posse, de destruição do feminino”, explica a promotora de Justiça Valéria Scarance, do Ministério Público de São Paulo.
A antropóloga Analba Brazão, do Instituto SOS Corpo, afirma que agressores muitas vezes miram o rosto com o intuito de desfigurar e deixar uma marca. Já a pesquisadora Télia Negrão, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), chama atenção para casos de mutilações e agressões que têm como alvo a capacidade reprodutiva da mulher. “Há uma simbologia cruel nesses atos”, destaca.
Dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública confirmam a gravidade do problema: em 2024, foram registrados 1.492 feminicídios no Brasil — o maior número desde o início da série histórica, em 2015. São quatro mulheres assassinadas por dia, em sua maioria negras (63,6%) e entre 18 e 44 anos. A maioria dos crimes ocorreu dentro de casa e foi cometida por parceiros ou ex-parceiros.
Os números de tentativa de feminicídio também aumentaram: 3.870 registros em 2024, um crescimento de 19% em relação ao ano anterior. E mesmo sob medidas protetivas, ao menos 121 mulheres foram mortas em 2023 e 2024, mostrando a fragilidade da rede de proteção.
A promotora Scarance explica que, muitas vezes, os casos se agravam após o fim do relacionamento ou quando a mulher deixa de se submeter às vontades do agressor. “Qualquer gesto — como passar batom ou sair de casa — pode ser interpretado como provocação por homens possessivos e inseguros”, alerta.
Além da violência física, o Brasil também enfrenta um déficit estrutural: segundo o Ministério da Justiça, há apenas 488 delegacias especializadas em todo o país, sendo que apenas 204 atendem exclusivamente mulheres. No Rio Grande do Norte, onde ocorreu o ataque contra Juliana, são apenas 12 delegacias para mais de 160 municípios.
Dalvaci Neves, coordenadora da organização Quilombo, destaca a vulnerabilidade das mulheres negras, que representam a maioria das vítimas. Ela defende uma abordagem mais ampla, com educação nas escolas e combate à misoginia estrutural. “Precisamos falar sobre racismo e gênero nas salas de aula. O Congresso vai votar o novo Plano Nacional de Educação, e isso precisa estar garantido.”
O fenômeno da retaliação ao avanço dos direitos femininos também preocupa. Segundo especialistas, o crescimento de discursos misóginos, inclusive por autoridades públicas, estimula um movimento antifeminista e dificulta a efetivação de políticas públicas.
Apesar dos avanços legais desde a Lei Maria da Penha, a violência contra a mulher ainda é silenciada em muitos lares. “A cada 15 segundos, uma mulher é espancada no Brasil — e a maioria dos casos não é registrada”, diz Analba Brazão. “Sem denúncia, sem proteção, os números seguirão aumentando.” Com informações: Agência Brasil.