Pela primeira vez na história da aldeia indígena Te'yikue, em Caarapó (MS), mulheres guarani tiveram um espaço seguro para relatar casos de violência e serem ouvidas por autoridades públicas. A iniciativa integra o projeto Fortalecer para Cuidar, promovido pela 1ª Promotoria de Justiça de Caarapó com foco na escuta ativa, na prevenção e na proteção das mulheres indígenas.
Em três encontros realizados nas macrorregiões da comunidade – Missão, Nhandejara, Bocajá e Saverá –, cerca de 40% das denúncias ouvidas estavam ligadas à violência doméstica, segundo dados da Polícia Civil. O levantamento revela ainda que, entre janeiro e junho deste ano, oito casos de estupro foram formalmente registrados, apesar dos altos índices de subnotificação.
As barreiras para denúncia são diversas: distância da cidade, ausência de transporte, dificuldade com a língua portuguesa, falta de apoio comunitário e até resistência de algumas lideranças locais. Para superar esses obstáculos, o projeto contou com a atuação da psicóloga indígena Araindia Pires, da etnia guarani, e da professora e ativista Renata Castelão, que há mais de 30 anos vive na aldeia e atuou como intérprete.
“O fato de ser indígena e falar o idioma fez com que as mulheres se abrissem”, relatou Araindia, que ouviu casos marcantes, como o de uma vítima orientada por uma liderança a permanecer com o agressor por “gostar de apanhar”. Segundo ela, o acolhimento tem sido uma experiência inédita para muitas mulheres da aldeia.
Renata reforça que o projeto marca uma virada histórica. “É a primeira vez que uma promotora e uma defensora pública foram à aldeia para ouvir essas mulheres. Isso muda tudo. Elas se sentiram valorizadas”, afirmou. A ativista destaca ainda a necessidade de ampliação do apoio psicológico: atualmente, uma única profissional atende seis comunidades indígenas da região.
Além do acolhimento, o projeto busca incentivar a denúncia de abusos, promover o empoderamento feminino e romper ciclos de violência muitas vezes normalizados dentro da própria comunidade. Para as participantes e coordenadoras, os encontros representaram mais do que um espaço de escuta: foram um marco para a autonomia, a dignidade e os direitos das mulheres indígenas. Com informações: Ministério Público de Mato Grosso do Sul (MPMS).