A indústria do entretenimento reagiu com uma mistura de surpresa e preocupação nesta segunda-feira, após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciar que aplicará uma tarifa de 100% sobre todos os filmes produzidos fora do país. Contudo, poucos detalhes sobre o funcionamento dessa taxa foram divulgados.
Este anúncio de Trump é mais uma medida em uma série de impostos e ameaças direcionadas a diversas indústrias globais, com o objetivo de estimular a atividade industrial nos Estados Unidos. No entanto, sua política comercial — que inclui tarifas, reviravoltas e investigações que podem resultar em mais impostos sobre importações — tem gerado desconfiança entre consumidores e empresas devido à sua implementação confusa, deixando muitas companhias em uma situação de incerteza.
A aplicação de tarifas sobre filmes pode ser ainda mais complexa do que na indústria automobilística, altamente integrada nos EUA. Trump não especificou se a tarifa se aplicará também aos filmes em plataformas de streaming ou apenas aos lançamentos cinematográficos, nem explicou se as taxas seriam baseadas nos custos de produção ou na arrecadação de bilheteira.
Além disso, não ficou claro como serão tratadas as produções que envolvem colaborações entre os Estados Unidos e outros países — como as franquias "James Bond" ou "Missão: Impossível" — e se essas produções estarão sujeitas a tarifas escalonadas ou se serão isentas total ou parcialmente.
"Ainda há muita incerteza, e essa última medida levanta mais perguntas do que respostas", afirmou Paolo Pescatore, analista da PP Foresight. "Não parece algo que acontecerá rapidamente, pois todos estarão lutando para entender como o processo funcionará. Inevitavelmente, os custos serão repassados aos consumidores."
Em janeiro, Trump nomeou os veteranos de Hollywood Jon Voight, Sylvester Stallone e Mel Gibson para ajudar a tornar a indústria cinematográfica dos EUA “maior, melhor e mais forte do que nunca”. No domingo, ele afirmou que deseja que mais filmes sejam produzidos nos Estados Unidos.
A incerteza gerada por essa política afetou as ações de empresas de mídia, que caíram em diversos setores nesta segunda-feira. A expectativa é de que tal medida aumente significativamente os custos para os estúdios de Hollywood, prejudicando a indústria de entretenimento global.
A Netflix, empresa pioneira do streaming, pode ser particularmente impactada, uma vez que depende da produção global para oferecer conteúdo ao público internacional. Suas ações caíram cerca de 2% durante o pregão de segunda-feira.
Outras gigantes do setor, como Disney, Warner Bros Discovery e Comcast (proprietária da Universal), tiveram quedas de entre 0,7% e 1,7%. As ações de operadoras de cinema, como Cinemark e IMAX, recuaram 5,5% e 5,3%, respectivamente. A IMAX preferiu não comentar, enquanto as demais empresas não responderam aos pedidos de declaração.
Risco de tarifas retaliatórias
Hollywood tem pressionado por incentivos fiscais para incentivar a produção cinematográfica em Los Angeles, o tradicional centro da indústria cinematográfica. Ao longo dos anos, os estúdios têm transferido parte de suas produções para outros países, como o Reino Unido, Canadá e Austrália, em busca de incentivos fiscais e custos trabalhistas mais baixos.
A maioria dos indicados ao Oscar de Melhor Filme deste ano foi filmada fora dos Estados Unidos, e uma pesquisa realizada pela ProdPro com executivos de estúdios sobre locais de produção preferidos para os anos de 2025 e 2026 revelou que as cinco principais escolhas estão fora do país.
Ainda assim, as tarifas representariam um novo desafio para uma indústria que já enfrentava dificuldades devido à queda nas assinaturas de TV a cabo e ao aumento dos custos trabalhistas, após as greves em Hollywood em 2023, que garantiram salários mais altos e melhores benefícios para escritores e atores. Não está claro se as tarifas cumpririam seu objetivo de incentivar a produção de filmes nos EUA.
"Aumentar os custos de produção pode levar os estúdios a produzir menos conteúdo. Além disso, há o risco de tarifas retaliatórias contra o conteúdo americano no exterior", afirmou Barton Crockett, analista da Rosenblatt Securities.
Hollywood já enfrenta pressão da China, que prometeu restringir a importação de filmes dos EUA em retaliação às tarifas mais amplas. No entanto, analistas acreditam que o impacto poderá ser limitado, já que as bilheteiras chinesas têm diminuído.
Porém, o ex-alto funcionário do Comércio, William Reinsch, membro do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais, alertou que a retaliação contra as tarifas cinematográficas de Trump poderia ser devastadora para a indústria americana. "A retaliação destruiria a nossa indústria. Temos muito mais a perder do que a ganhar", disse, acrescentando que seria difícil justificar o cinema como uma questão de segurança ou emergência nacional.
Analistas também destacam que fiscalizar a implementação da tarifa será desafiador, já que grandes conglomerados de mídia poderiam reestruturar suas operações para contornar a medida, produzindo conteúdo por meio de subsidiárias estrangeiras ou licenciando produções fora dos EUA.
A ameaça de tarifas gerou preocupações em toda a indústria cinematográfica global. Líderes da Austrália e da Nova Zelândia, que abrigam produções importantes, como filmes da Marvel e da franquia "O Senhor dos Anéis", afirmaram que defenderão suas indústrias locais.
O sindicato britânico de mídia Bectu também pediu ao governo do Reino Unido que proteja a indústria cinematográfica do país, alertando sobre o risco de milhares de empregos freelance estarem em perigo.
Matthew Stillman, CEO da Stillking Films, uma das maiores produtoras de conteúdo internacional financiado pelos EUA na Europa Central e Oriental, disse que a ameaça tarifária poderia prejudicar as cadeias de produção globais. "A criação de instabilidade nos negócios também afetará qualquer estratégia de investimento de médio prazo, pois as pessoas ficarão incertas sobre como o cenário será nos próximos 3 a 5 anos", concluiu. Com informações Isto é Dinheiro