Almerinda Veiga da Silva, de 67 anos, vive no quinto abrigo desde que precisou deixar sua casa, há exatamente um ano, quando o bairro Rio Branco, em Canoas, foi tomado pelas águas na maior tragédia climática da história do Rio Grande do Sul.
Na ocasião, ela foi separada do marido, levado para um abrigo masculino, enquanto seguiu com a filha, portadora de síndrome de Down, para um local voltado a mães atípicas. Todos foram resgatados com vida, mas o que parecia o início de um recomeço se transformou no período mais difícil de sua vida.
“Faz um mês que perdi minha filha especial por causa do trauma da enchente. Também perdi meu marido no Natal. Ele entrou em depressão e faleceu”, relatou emocionada durante visita da reportagem ao Centro Humanitário de Acolhimento (CHA) Recomeço, o único abrigo ainda em funcionamento em Canoas, com 216 pessoas. A estrutura será desativada até o fim de maio.
O abrigo foi instalado em julho de 2024 por meio de parceria entre o governo estadual, a Fecomércio-RS e a Agência da ONU para as Migrações (OIM). Além de alimentação e atendimento em saúde, o espaço oferece assistência social, apoio na busca por emprego e inscrição em programas de habitação, além de abrigo para animais de estimação.
Outro abrigo semelhante funciona em Porto Alegre e acolhe cerca de 120 pessoas. Ambos fazem parte dos nove centros ainda ativos no estado e concentram 93% dos desabrigados atendidos atualmente. No auge da tragédia, mais de 80 mil pessoas ficaram em abrigos. Hoje, restam 383.
Entre os abrigados está Cláudio Joel Bello, de 43 anos, desempregado, que perdeu tudo quando o bairro Mathias Velho ficou alagado por mais de um mês. Ele foi contemplado com o programa federal Compra Assistida, que oferece até R$ 200 mil para compra de imóveis prontos. Apesar disso, ainda aguarda a finalização do processo.
“Se o governo me deu uma casa, por que ainda estou aqui? Já vai fazer um ano que estou no abrigo”, questiona.
Ele é o único do abrigo selecionado para esse programa. Os demais contam com aluguel social no valor de R$ 1 mil mensais por 12 meses ou com moradias provisórias mobiliadas no bairro Estância Velha.
Almerinda optou pelo aluguel social após visitar o conjunto de moradias provisórias e considerar o local inseguro. Porém, não tem móveis para se mudar: “A casa está alugada, o contrato foi feito, mas eu não tenho mobília. Como vou morar sem nada? Só saio do abrigo quando tiver meus móveis”, afirmou.
Ela busca doações de eletrodomésticos por meio da parceria entre ONU Migrações e empresas privadas, mas a demanda ainda não foi atendida.
Já Josebete da Silva, de 47 anos, está prestes a deixar o abrigo e seguir para uma das unidades provisórias com a esposa e duas filhas. Ele vai morar em um contêiner de concreto de 27 metros quadrados. “Vai ser melhor, porque pagava aluguel. A decisão foi da minha esposa”, disse. Ele trabalha em um moinho e espera ser incluído em um programa habitacional definitivo.
A prefeitura de Canoas informou que um convênio com o governo do estado está viabilizando a construção de 58 moradias provisórias no bairro Estância Velha, com previsão de entrega até 15 de maio. Cada unidade, com mobília e eletrodomésticos, custa R$ 133 mil.
O município também mantém o programa de aluguel social, que atende atualmente 1.249 famílias, sendo 77 delas vinculadas ao CHA.
Sobre as moradias definitivas, há dois empreendimentos em construção nos bairros Niterói e Fátima, com 400 unidades financiadas pela Caixa Econômica Federal e previsão de conclusão em até 18 meses. Dois contratos já foram assinados para 1.576 unidades voltadas exclusivamente às vítimas da enchente. A prefeitura também planeja pedir autorização para mais 3 mil habitações.
Além disso, um programa em parceria com o governo federal prevê a reconstrução de 210 casas, com investimento de R$ 31 milhões por meio do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social.
Após a enchente, foram solicitadas 18.633 vistorias. Destas, 11.862 residências foram consideradas habitáveis e 5.502, inabitáveis. Outras 1.269 vistorias ainda estão pendentes.