Desde a criação do Gabinete de Crise do Ministério dos Povos Indígenas (MPI), há um ano, o governo federal já vistoriou 51 territórios reivindicados pelo povo guarani-kaiowá em Mato Grosso do Sul. Essas áreas de retomada estão na mira da União para uma possível solução, como aconteceu recentemente com a Terra Indígena (TI) Ñande Ru Marangatu, em Antônio João.
De acordo com o secretário-executivo do MPI, Eloy Terena, a prioridade do governo federal para a finalização das demarcações de terras indígenas no Brasil é justamente o povo guarani-kaiowá. Ele destacou que o Gabinete de Crise realizou “várias visitas in loco” em 51 territórios no sul do estado, mas ainda não há uma lista definida de quais áreas serão as próximas a serem regularizadas.
"Estamos construindo tecnicamente os parâmetros para as próximas medidas, mas ainda não há uma lista definida", disse Terena ao jornal Correio do Estado. A fala ocorreu após a solução de um conflito histórico entre indígenas e fazendeiros em Antônio João, que durou décadas.
Entre as áreas vistoriadas está a TI Guasuti, em Aral Moreira, onde dois líderes espirituais indígenas, Sebastiana Galton, de 92 anos, e Rufino Velasque, foram encontrados mortos e carbonizados em setembro do ano passado. Esse trágico episódio foi o estopim para a criação do Gabinete de Crise do MPI, cuja missão é monitorar e atuar nas violações de direitos humanos do povo guarani-kaiowá.
Conflitos complexos e a busca por soluções
O secretário-executivo destacou a complexidade dos casos em Mato Grosso do Sul, região marcada pela presença histórica de povos indígenas. "O desafio é buscar, dentro do regime constitucional, instrumentos administrativos que contemplem todos os interesses legítimos em jogo", explicou Terena. O governo está comprometido em garantir o direito ao território das comunidades indígenas e implementar políticas públicas culturalmente adequadas.
Terras indígenas em disputa
De acordo com um levantamento da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o estado de Mato Grosso do Sul possui 33 territórios indígenas com posse confirmada pelo governo federal. Desses, quatro foram homologados e 29 regularizados. No entanto, muitos ainda enfrentam contestação judicial por proprietários rurais, o que impede a efetiva demarcação.
Um exemplo é a TI Guyraroká, em Caarapó. Após ser demarcada, a posse indígena foi anulada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2014, com base na tese do marco temporal. Contudo, quase uma década depois, o STF rejeitou essa tese, embora o processo ainda esteja paralisado. Situações semelhantes ocorrem em outras áreas guarani-kaiowá, como a TI Jata Yvary, em Ponta Porã, e a TI Dourados-Amambaipeguá I, em Caarapó, que também enfrentam impasses judiciais.
A TI Dourados-Amambaipeguá I ficou marcada pelo confronto de 2016, conhecido como o massacre de Caarapó, quando o indígena Clodiode Aquileu de Souza foi morto enquanto socorria feridos. O episódio resultou em seis indígenas gravemente feridos.
Avanços e negociações
Na semana passada, o governo federal e o estado de Mato Grosso do Sul resolveram um conflito histórico em Antônio João, após décadas de impasse entre indígenas e fazendeiros. Em uma audiência de conciliação no STF, a União e o estado se comprometeram a pagar R$ 146 milhões em indenizações a fazendeiros, permitindo a entrega definitiva da TI Ñande Ru Marangatu aos indígenas.
Esse acordo é inédito no Brasil e acende a expectativa de que o modelo de indenização seja replicado em outros territórios em disputa, criando um precedente importante para futuras soluções de conflitos entre indígenas e produtores rurais.